A manhã acordou molhada sobre Manali, no estado indiano de Himachal Pradesh. Chuva miudinha, quase insignificante, nada que se compare com os dilúvios, lá para Sul, que vemos nos telejornais. Andámos (eu e o João, companheiro de viagem e fotografia) a fugir à monção desde que chegámos à Índia. Ziguezagueámos, Índia acima, sempre a fintá-la. Delhi, Chandigarh, Amritsar, Shimla ficaram para trás. Felizmente a monção é tão previsível como inevitável.
Após três intensas semanas na Índia e, como é sabido, uma semana na Índia vale por duas (ou serão três?), chegámos a Manali num espírito de dolce fare niente com um twist de detox de especiarias. A pequena cidade não poderia ser mais adequada. O seu bairro de backpackers tem tudo o necessário para recarregar as baterias. O Golden Tulip, um fantástico hotel de 4 estrelas (talvez fosse apenas um banal hotel de três estrelas), foi a cereja no topo do bolo.
Assim, nessa manhã, depois de dois dias de pizas, mojitos, esplanadas e curtos passeios, estava pronto seguir para a estrada. O destino final era Leh, no Ladak, onde os monges são Lamas e os templos Gompas. O Tibete é logo ali, do outro lado de uma linha que as montanhas e os homens fazem por ignorar. Tínhamos decidido fazer a viagem por etapas. Uma tirada nocturna de doze horas seguidas numa coisa chamada de Speed Van himalaias adentro não nos pareceu grande ideia. Ainda por cima era caro! Optámos pelo autocarro. Uma opção mais tradicional, mais segura, mais barata, e obviamente, muito mais difícil. Afinal de contas estamos na Índia, para quê facilitar o que se pode complicar?
Despedi-me, já com saudade, do Golden Tulip. Sabia que, tão cedo, não haveria hotel assim e segui para a estação de autocarros. O autocarro era às 11:30 e ainda não tínhamos bilhetes para Keylong, uma pequena vila do outro da montanha, a umas meras três horas de distância. Infelizmente, o nosso autocarro não saia da Manali, vinha de outra cidade e estávamos com receio de o perder. Os autocarros, todos iguais, com o destino escrito em indi faziam uma rápida paragem. Os picas apareciam à porta e gritavam, de forma ininteligível, o seu destino. O João já em desespero iá lá e perguntava – Destination? E regressava com um ar de desalento. – Não percebo nada do que dizem. - Por enquanto, nenhum com destino Keylong (achávamos nós, sem grade certeza).
Depois de meia hora desta cena, reparei num casal que se destacava no buliço da estação. Ele, de tez clara e barba escura de 3 dias, calças e botas de caminhada e um grande colar de contas tibetano. Ela, cabelo semi-pintado de loiro e um grande pano de tons vermelhos ao pescoço, vestia peças de roupa díspar em camadas. O Juan, um espanhol andaluz que falava um bom português. A Sol, uma argentina patagónica que trocou as suas montanhas natais para aqui vir aprender ioga.
O Juan tinha a chave do sucesso. Depois de perderem o autocarro das 9:30 conseguiu que lhe escrevessem, num precioso, papel, Keylong, em Indi. E assim, nos juntámos na busca do autocarro que tanto ansiávamos. À uma da tarde lá chegou o das 11:30. Pegámos nas mochilas e corremos, quais mosqueteiros, um por todos e todos por um para ocupar o banco traseiro do autocarro que para além das nossas mochilas levava uma pequena mercearia. Ovos, legumes e um monte de caixas.
A viagem foi banal. Sobe, sobe, sem parar. Pára para xixi, numa “English Toilet”. Pára para comer. Curva e contra-curva até mais não. Pára porque está tudo parado. Não se anda. Nem para cima nem para baixo. Pára porque um pequeno calhau, do tamanho de um Smart caiu no meio da estrada. Enfim, pára por que sim. Quatro horas depois lá chegámos ao Rohtang La, o passo no topo da montanha (a uns meros 3.978 m). Ignorando, felizmente, que significa em tibetano “pilha de cadáveres”. A partir daí é sempre a descer. Como a descer todos os santos ajudam e aqui há muitos, onde a cultura hindu se cruza com a tibetana, foram só mais uma hora até Keylong. Chegámos eram seis da tarde.
À chegada despedimo-nos da Sol e do Juan que foram para um “cheap room, cheap room” num hostel cuja dona os caçou à saída do autocarro. Nós regressámos à rotina, naan, arroz, dahl, e mais qualquer coisa para jantar. Hotel barato, casa de banho aceitável, lençóis medianamente lavados e tampões nos ouvidos para dormir. Não sem antes, da janela do quarto, ver as altas montanhas iluminadas pelo sol poente. São os altos himalaias. Até agora foi só um aperitivo.
13 de Julho de 2017